Sobre o Amor

Muitas vezes se tem dito que "os grandes heróis da história encontram seu rival nas mulheres". Com isso, quer-­se dizer que o amor de uma mulher é coisa perigosa e que tais episódios, de certo modo, tiram de nossa idéia o ser "herói". Devemos afastar-nos das armadilhas e tentações das mulheres. E assim por diante.

Peço licença para discordar. Acho que o que faz os heróis serem heróis é terem amor em medida maior que os outros e serem capazes de maior devotamento a alguma coisa, entregando-lhe alma e coração. Só os que podem fazer grandes sacrifícios podem amar verdadeiramente. Todo o universo vem do amor. Onde impera o coração, o homem guia sua vida por ele. Não se confina a qualquer coisa deter­minada, mas percorre todas as questões humanas, a come­çar pelo amor da mulher. Amor e devotamento podem ser muito bem aplicados a uma causa nacional, à amizade, ao negócio que se tem em mãos. Por isso, o “Livro de canções” (organizado por Confúcio) não desdenhou o amor entre homem e mulher como pecado, e o “Livro das Mutações” falou do casamento como preenchendo "o coração do universo". Podemos fazer os grandes nomes da história desfilarem em nossa mente e verificaremos que nenhum deles deixou de ter um grande amor. Lembremos Shiang Yu. Que guerreiro e que homem! Quando se viu cercado pelo inimigo, com o fim iminente, ergueu-se em sua tenda, escreveu alguns versos e cantou-os com sua amada, e choraram juntos antes de com a espada se matarem. E seu adversário, também, que se tornou o primeiro imperador de Han, possuía insuspeitada ternura. Sem dúvida, foi um grande guerreiro, que ralhava com seus generais como com crianças. Depois, tornou-se imperador, mas, antes de morrer, disse à sua rainha: "Dança para mim, querida, as danças populares de nossa terra natal, e cantarei para ti nossas canções populares". Assim morreu um imperador. Digo, pois, que é preciso ser homem de grande coração para ter um grande caso de amor. Tenho notado que os que se afirmavam como bons intelectuais e escritores amavam certas coisas com exclusão de tudo o mais. E, quando surgia uma crise, tais pessoas agiam com decisão e firmeza e mos­travam fortaleza de caráter superior à dos outros. Quando o país os chamava, atendiam. Não há mistério em torno disso. Tinham um grande coração e, simplesmente, transferiam aquele grande amor de uma coisa para alguma outra. Digo, pois, que o amor não se confina a qualquer coisa determi­nada. Só os que fazem algum grande sacrifício podem amar verdadeiramente.

[Chou Chuan, aprox.1600]