Enfaixamento dos pés

Não havia diferença entre os pés das mulheres e os dos homens nos tempos antigos. O Zhouli (obra clássica sobre o sistema governamental Zhou) menciona o ofício do "sapateiro", que tinha o dever de cuidar dos sapatos de reis e rainhas. Cita tamancos vermelhos, tamancos pretos, trançados de seda, vermelha e amarela, curvas negras, sapatos brancos, sapatos de linho para uso cerimonioso, não cerimonioso e caseiro, destinados a homens e damas de títulos. Isto mostra que os sapatos de homens e mulheres eram da mesma forma. Em gerações posteriores, os pequenos e delgados sapatos arqueados das mulheres foram muito apreciados por seu diminuto tamanho.

De acordo com pesquisas que fiz, o enfaixamento dos pés começou com Li Houzi, de Nantang (que reinou de 937 a 978 da era cristã). Tinha ele uma camareira real chamada Yaoniang (Srta. Yao), notável por sua esbelta beleza e suas danças. O soberano mandou fazer um lótus de ouro, de seis pés de altura, adornado de pedras preciosas, festões e borlas de seda. Esse lótus de ouro, multicolor ficava no centro. Mandou a Srta. Yao atar os pés com seda e acocorar-se em cima do lótus, para sugerir a forma de uma lua crescente. Ela dançou no topo do lótus de meias brancas, e fez piruetas sugerindo as nuvens (com as mangas compridas). Muitas pessoas, então, começaram imitar seu estilo. Foi esse o primeiro começo do enfaixamento de pés.

Esse costume não teve início antes da dinastia Tang (que começou em 617 da era cristã). Por isso, entre os poemas escritos por tantos poetas, cantando a beleza das mulheres, descrevendo incessantemente com grande interesse seu aspecto e gestos, a riqueza de seus adornos no cabelo e cosméticos faciais, seus mantos e saias, a delicadeza de seus cabelos, olhos, lábios, dentes, cintura, mãos e pulsos, nem uma só palavra foi dita acerca de seus "pés pequeninos". No Guofu (Canções antigas) diz-se: "Novo bordado de seda cobria-lhe o alvo tornozelo e o arco de seus pés era como uma. linda fonte" (período Han). Zao Zexian (192-232) tem uma frase assim: "Ela usava sapatos bordados para lon­gas caminhadas". Li Po (701-762) diz em um poema: "Um par de tamancos denteados de ouro; dois pés brancos; como geada". Han Shiguang escreve: "Seis polegadas de fina pele arredondada resplendem à luz". Du Muxi (803- 852, grande galanteador e poeta) escreve: "Mede um pé menos quatro décimos de polegada". O documento "Miscelâneas, Segredo de Han”, do segundo século da era atual, diz (descrevendo uma jovem escolhida para ser rainha): "Seus pés mediam oito polegadas e seus tornozelos e arcada eram belos e cheios". Tais menções de "seis polegadas" e "oito polegadas" de pés brancos, macios e cheios mostram que os pés das damas antes do período Tang não eram curvados para se assemelharem à lua crescente.

O caso do Soberano Idiota Oriental de Qi (aprox. 500) pode ser lembrado. Fez ele com que sua concubina real favorita a Srta. Pan, pisasse em reproduções de flores de lótus feitas de ouro e arrumadas no soalho e disse: "Uma flor de lótus de ouro nasce de cada passo seu". Isto, porém, refere-se às reproduções de flores de lótus que ela pisou, mas não quer dizer que fossem lótus os seus próprios pés. Tsui Pu refere em seu livro sobre a origem das Coisas, o Kuchinchu, que havia sapatos com cabeças de fênix, com duplas tai (solas?), mas não há indicação de que só se referisse a sapatos de mulheres.

Na dinastia Song, poucas mulheres enfaixavam os pés antes do reinado de Yuanfeng (1078-1085). Mas, nos quase quatrocentos anos que se seguiram, a partir da dinastia mongol (1277-1367) até o presente, as modas e exageros antinaturais desenvolveram-se firmemente e caíram em excessos.

Todas as mulheres antigas usavam meias. No dia em que a Rainha Yang Gueifei morreu (aprox. 756 d.C.) em Mahuai, uma aldeã recolheu o pé de um par de suas meias bordadas. Exibiu-o ao público, cobrando cem moedas de quem o tocasse. Li Po diz em um de seus poemas: "Seus pés são brancos como a geada; ela não usa meias de canos pretos". Um dos nomes dados as meias era chiku (estojo do tornozelo). Quando o Imperador Gaozong (que reinou de 1127 - 1162 da era atual) soube da morte de seu primeiro-ministro, Qin Guei, disse: "Agora, não preciso esconder um punhal em minha chiku". Assim, as meias, ou chiku, eram usa­das tanto por homens quanto por mulheres. A diferença é que as meias, nos tempos antigos, eram pregadas solas, o que não se dá hoje. Nos tempos antigos, podia-se caminhar de meias sem sapatos. Hoje, não podemos fazer isso... Zao Zexian diz: "Move-se ela com passos leves. Suas meias de seda ficam empoeiradas". Li Houzi escreve: "Ela desce os degraus perfumados, de meias, trazendo na mão os sapatos de fios de ouro". Tal, na verdade, é a diferença entre os sapatos e meias antigos e os dos tempos modernos.

De saltos altos não encontro menção nos livros. Parecem ser invenção moderna. Algumas damas de Wu faziam saltos de sândalo, cobertos com fina seda rígida. Umas tinham saltos escavados, trazendo dentro, escondido um saquinho com perfume, para que deixassem um rastro aromático ao caminhar. Isto é uma extravagância monstruosa. Menciono tal coisa porque os poemas das dinastias Sung e mongol não fazem referência a isso, de modo que os poetas que queiram escrever a respeito de beldades antigas sejam cautelosos neste ponto.

["Nota sobre os Sapatos e Meias das Mulheres" de Yu Huai (1617 - depois de 1697)]