Sou monja e tenho só dezesseis anos;
criança
ainda, rasparam-me os cabelos.
Sutras
budistas, eis o que meu pai adora;
sacerdotes
de Buda é o que minha mãe ama.
Dia e
noite, noite e dia
queimo
incenso e oro, porque
fui
doente e frágil desde pequenina.
Por
isso me enviaram ao mosteiro.
Amitabha!
Amitabha!
Não
paro de rezar
Estou
cansada do murmúrio dos tambores e do retinir dos sinos
Estou
cansada do zumbido de orações na melopéia dos priores
Do
lamentoso remoer de incompreensíveis sortilégios,
do
clamor e do clangor de cânticos intermináveis,
do
sussurro gutural de monocórdias salmodias.
Prajnaparamita,
Mayura-sutra,
Saddharmapundarika
...
Como
odeio tudo isso!
Quando
digo Amitabha
meu
amado me fita.
Quando
canto o saparah
por
ele o peito grita.
Quando
entôo o tarata
o
coração palpita.
Ah!
vou dar um passeio! Sim, vou dar um passeio.
(Ela
dirige-se à Sala dos Quinhentos Lohans, onde há imagens de argila dos santos
budistas, conhecidos por suas características expressões faciais.)
Oh, os
Lohans aqui estão!
Quanto
imbecil que só amor implora!
Barbudos
todos são
e cada
qual com os olhos me devora!
Olhem
esse que os joelhos prende e abraça;
é meu
nome somente o que murmura!
Esse
que tem a face na mão posta
só
pensa em mim, a pobre criatura!
O
outro, de doces olhos cismarentos
sonha,
e nos sonhos sempre me procura!
E o
Lohan de burel! Que deseja ele aqui,
com
essa infernal, diabólica risada
com a
imensa e trovejante gargalhada?
E de
mim que ele ri! E ri de mim porque,
passada
a mocidade e perdida a beleza
quem
irá desposar uma velha engelhada?
Fanada
a mocidade e crestada a beleza
quem
irá desposar a anciã encarquilhada?
O que
ali está manietando um dragão
é um
cínico;
o
outro, que vai a cavalgar um tigre,
escarnece-me;
e o
bonito gigante, de ampla fronte
deplora-me,
pois
que será de mim quando a beleza tiver fim?
Estas
velas do altar,
não as
terei no quarto nupcial.
Estes
longos turíbulos,
não os
terei na sala nupcial.
E a
almofada de palha para a prece
travesseiro
de bodas não parece.
Ó,
Deus!
De
onde vem, a queimar, sufocante, este ardor?
De
onde vem este estranho, este infernal ardor?
Rasgarei
o meu hábito de monja
e do
budismo enterrarei os sutras;
afogarei
os peixes de madeira
e
fugirei dos monásticos putras.
Não
mais tambores,
não
mais sinos,
não
mais cantos,
não
mais gritos,
não
mais infindos, torturantes ritos!
Descerei
a montanha e acharei, para amar-me,
um
bonito rapaz.
Se
vier a espancar-me,
ralhar-me,
maltratar-me,
não
voltarei atrás!
Num
Buda não me irei mumificar,
nem
mita, prajna, para
ficarei
toda a vida a ruminar!
[Anônimo,
anterior a 1700]